Pais...
abril 04, 2016
Os meus pais possuem grande parte dos defeitos que mais me chateiam, mas ao pé dos meus amigos conseguem ser as pessoas mais normais do mundo. Desconfio que lhes passou ao lado uma carreira no teatro musical, já que, além de representarem maravilhosamente bem, ainda passam grande parte do dia a cantar.
Além da representação, o meu pai podia ainda ter sido cantor, compositor, médico ou copywriter. O meu pai é aquilo a que a ciência chama – ou pelo menos devia chamar – um maníaco publicitário. O que é um maníaco publicitário? É uma pessoa que faz uma de três coisas: decora slogans publicitários; completa slogans publicitários; decora e canta músicas das publicidades. O meu pai consegue conjugar as três caraterísticas e portanto é triplamente maníaco publicitário. Os sintomas são fáceis de reconhecer. Tudo começa com uma música que nunca ninguém ouviu mas que o maníaco publicitário insiste ser de uma publicidade antiga. Da música passamos para um slogan de que já ninguém se lembrava e daqui até se melhorarem slogans é uma questão de tempo – geralmente pouco. Antes de a Media Markt completar o “Eu é que não sou parvo”, já o triplamente maníaco publicitário, que geralmente nomeio apenas de pai, o tinha feito com duas palavras: “nem eu”. Outro dos sintomas, já de doença mais avançada, é a resposta a outras pessoas com slogans. Dizer ironicamente a um maníaco publicitário “e agora novidades?!” não resulta, já que vamos obter a resposta “só no Continente”. O Continente já mudou de slogan sensivelmente duzentas e setenta e duas vezes mas o maníaco publicitário tem uma memória como se tomasse memofante.
Já a minha mãe tem duas doenças também bastante irritantes: pratica pré-sono no sofá e parte parvamente tudo o que necessite de ser partido. É raríssimo darem programas interessantes na televisão, mas é ainda mais raro a minha mãe ver programas interessantes na televisão. Das poucas vezes em que eu quero ver qualquer coisa, a minha mãe decide que quer ver uma novela qualquer e isto acaba sempre da mesma maneira: eu sou exilada para a cozinha, vejo o que quero ver ao frio, numa cadeira não muito confortável e numa televisão não muito grande enquanto o plasma está a ver a minha mãe a dormir deitada no sofá da sala com a lareira acesa.
É raro eu fazer bolos, mas é ainda mais raro eu fazer bolos completos (entenda-se completos como aqueles em que metade do bolo não fica colado no fundo da forma). Sempre que isto acontece (mais ou menos com a mesma frequência com que o cometa Halley visita a terra) costumo até embelezá-los com aqueles apetrechos dignos de pastelaria. Deixo o bolo durante escassos minutos e quando regresso falta-lhe um mini triângulo. Se o bolo é uma circunferência, deve ser cortado em raios com ângulos mais ou menos iguais, mas a senhora minha mãe acredita na ciência que diz que os bolos podem ser partidos da maneira que o ser humano deseja. Depois admiram-se de o Correio da Manhã ter sempre tantas notícias de filhos que matam os pais.
Mas o que mais me chateia nos meus pais é a capacidade que eles têm de não me responderem de cada vez que eu falo. Eu gosto de falar e às vezes apreciava ter uma boa conversa sobre um tema interessante: o Benfica. Ora, falar com o meu pai sobre o Benfica é ainda pior do que falar com os meus amigos. O meu pai conhece o Luisão e é porque está no Benfica desde a idade da pedra. Falar sobre futebol com a minha mãe é ainda mais chato na medida em que ela gosta de ver a bola, mas não o admite para que, cada vez que eu estou a ver a bola, poder ter alguma desculpa para gritar como se o mundo fosse acabar. Quando percebe que reclamar não a vai levar a lado nenhum começa a fazer comentários parvos. “Ai se eu estivesse ali e ele me passasse uma rasteira eu levanta-me e dava-lhes uns pontapés”, ignorando o facto de que eu posso querer ouvir os comentadores da televisão.
Em comum os meus pais têm ainda a falta de paciência. Uma coisa banal como levar o computador para a cozinha à hora de jantar para ver o jogo via internet é algo que deixa os meus pais a reclamar como se o mundo fosse acabar. Tendo em conta que a mesa dá para quatro pessoas e nós somos apenas três é difícil perceber qual é o problema de ter lá um computador. Não deixa de ser um convidado que transmite informação bem mais relevante que qualquer noticiário que se possa estar a ver àquela hora.
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