Letras com nota artística #11 - A Portuguesa

junho 10, 2018


O Dia de Portugal parece-me a ocasião certa para escrever isto. No outro dia estava a ver a selecção e comecei a pensar sobre o nosso hino nacional (porque para aguentar 90 minutos de selecção é preciso fazer um esforço cerebral extra) e questionei-me sobre diversas coisas nomeadamente os seus autores. Pois bem, segundo a wikipédia (que, como todos sabemos, é uma fonte de informação fiável), Alfredo Keil é o autor da música e Henrique Lopes de Mendonça o responsável pela letra do hino adoptado em 1911 e escrito em 1880. Ora, de música eu percebo pouco mais que nada portanto resta-me apenas analisar o texto d'A Portuguesa e ver se é desta que sou deportada.


"Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!

A primeira consideração interessante a ser feita são os dois versos extra que existem sem que ninguém os saiba (e muita gente nem deve saber que existem). Isto é um bocadinho como a música dos parabéns mas em versão inteligente porque cantar mais do que uma parte é prolongar uma situação estranha e desnecessária (esta é para todos aqueles que começam com o "tenha tudo de bom" depois de já se terem soprado as velas).

Parece-me óbvio que a música foi feita como forma de protesto contra a monarquia e oficializada como hino nacional logo após o início da primeira república (que todos sabemos o quão bem correu) mas há aqui um apelo à luta e à guerra que me parece excessivo para o nosso país. Nós éramos fortíssimos a descobrir terras que já tinham sido descobertas pelos seus habitantes, mas a nível de dar porrada a outros povos (ou a nós mesmos) nunca fomos grande coisa. Para um país que perdeu um rei numa batalha em Marrocos e espera que ele volte num dia de nevoeiro, é capaz de ser demasiado gritar "pela pátria lutar, contra os canhões marchar, marchar" como se fossemos realmente grandes guerreiros. Afinal, demorámos anos a instaurar de novo a república em Portugal e, quando o fizemos foi com cravos no lugar das balas. Fosse o Salazar o Presidente do Conselho em vez do Marcello Caetano e as coisas não tinham corrido tão bem.

Toda esta letra me faz lembrar as das músicas que aparecem no festival da canção: "lembram-se de nós? Fomos muita bons a descobrir caminhos marítimos para todo o lado e demos novos mundos ao mundo". Para mim uma boa letra tem de nos fazer pensar e esta cumpre esse requisito quando se refere ao "esplendor de Portugal" que nunca me lembro de ter presenciado. Que esplendor é que queremos levantar de novo? Aquele que tínhamos em 1494 aquando do tratado de Tordesilhas que nos dava metade do mundo? É que depois disso não conseguimos grandes esplendores.

Para os curiosos em relação às outras duas partes do hino nacional, cá estão elas:

Desfralda a invicta bandeira
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu
Beija o solo teu jucundo
O oceano, a rugir d'amor,
E o teu braço vencedor
Deu novos mundos ao Mundo!

Às armas, às armas!
Sobre a terra e sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!

Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal de ressurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injúrias da sorte.

Às armas, às armas!
Sobre a terra e sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!"


P.S. "Que HÁ-DE guiar-te à vitória" e não "que hão-de guiar-te à vitória". O verbo refere-se à voz dos avós e não aos avós em si.

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