Letras com nota artística #9: "Pica do Sete"

março 27, 2017



Já há uns tempos que me ando a questionar sobre esta música e sempre que a oiço penso "tenho de escrever sobre ela" mas, como todas as ideias que tenho, isso acaba esquecido naquele lugar do meu cérebro que armazenou toda a história da arte dada no 12.º ano. Na semana passada estava a ver a gala do Benfica e quem é que aparece para cantar? O António Zambujo. E o que é que ele canta? O Pica do Sete. Foi então que se fez luz. Atentem na letra:



"De manhã cedinho
Eu salto do ninho e vou p'rá paragem
De bandolete à espera do 7
Mas não p'la viagem

Eu bem que não queria
Mas um certo dia vi-o passar
E o meu peito céptico
Por um pica de eléctrico voltou a sonhar

A cada repique
Que soa do clique d'aquele alicate
Num modo frenético
O peito céptico toca a rebate

Se o trem descarrila
O povo refila e eu fico num sino
Pois um mero trajecto
No meu caso concreto é já o destino

Ninguém acredita no estado em que fica o meu coração
Quando o 7 me apanha
Até acho que a senha me salta da mão
Pois na carreira desta vida vã
Mais nada me dá a pica que o pica do 7 me dá

Que triste fadário que itinerário tão infeliz
Cruzar meu horário com o de um funcionário de um trem da Carris
Se eu lhe perguntasse se tem livre passe para o peito de alguém
Vá-se lá saber talvez eu lhe oblitere o peito também

Ninguém acredita no estado em que fica o meu coração
Quando o 7 me apanha
Até acho que a senha me salta da mão
Pois na carreira desta vida vã
Mais nada me dá a pica que o pica do 7 me dá"

Ponto 1: alguém disse ao Zambujo que não há nenhum elétrico com o número 7 em Lisboa? "Ó Jessica mas quem é que te diz que a história da música se passa em Lisboa?". É uma questão pertinente e basta olhar para o videoclip para perceber que este elétrico é, de facto, o 15 e não o 7 (até porque o 7 não existe). Se era para escrever uma música sobre elétricos, escolhia um número entre o 15, 18, 25 ou 28. Outra coisa interessante no vídeo é o tempo que demora o percurso. Notem que ela entra no elétrico "de manhã cedinho", anda um bocado, entretanto é noite e depois volta a ser dia. De facto já cheguei a fazer o percurso completo do 15 e parece demorar um dia inteiro.

Mas passemos à letra que é para isso que eu cá estou. Numas festas da terrinha há uns meses estava a dar esta música e eu comentei com a Sara a minha indignação em relação ao facto de não haver um elétrico 7 em Lisboa e foi aí que ela me alertou para outro problema nesta letra. Pensava eu que o rapaz ficava com a pica por causa da rapariga que estava no elétrico. Afinal não. Quem lhe dá pica é o pica ("mais nada me dá a pica que o pica do 7 me dá"). Claro que este verso funciona em termos métricos bastante bem e por isso faz sentido tê-lo na música. O problema é que no resto da música temos mais indícios de que o Zambujo está perdido de amores por um pica da carris, senão atentem nos versos: "E o meu peito céptico/Por um pica de eléctrico voltou a sonhar"  e "Cruzar meu horário com o de um funcionário de um trem da Carris".

Seria de esperar que estes fossem os únicos problemas desta letra, certo? Errado. Atentem na primeira estrofe: "De bandolete à espera do 7/Mas não p'la viagem". Calma lá, então ela está na paragem, à espera do elétrico mas não está à espera da viagem? Então está na paragem a fazer o quê? A apreciar a vista? Há muitos miradouros em Lisboa para fazer isso. 

(Eu sei que a quantidade de vezes que disse elétrico neste texto é absurda)

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