Agora vai ser sempre a descer

novembro 11, 2017

Ontem dormi francamente mal, por isso, quando me levantei estava longe de imaginar que um dia que começou mal ia acabar tão bem. Eu sabia que ia acabar bem, afinal ia ver o Ricardo Araújo Pereira, mas nem nos meus sonhos imaginava o que viria a acontecer. 

Para os mais distraídos o RAP decidiu fazer uns quantos espectáculos nas zonas afectadas pelos incêndios de outubro para angariar dinheiro. Eu, que sou uma pessoa desempregada e muito forreta, sou bastante ponderada quando se trata de gastar dinheiro mas neste caso não pensei duas vezes. Quando comprámos os bilhetes já não havia muitas opções (até porque esgotaram em 4 horas) portanto acabei na fila da frente (naquelas laterais). 


Quem me conhece sabe pelo menos duas coisas sobre mim: que eu sou do Benfica e que sou fã do Ricardo Araújo Pereira (e eu não sou fã de muita gente). Não sou fã só porque ele tem piada e também é do Benfica. Sou fã da inteligência, da genialidade, do facto de ele escolher sempre a palavra certa para determinado momento do texto. Eu sou uma pessoa simples: nunca sonhei ser rica nem ter uma grande casa ou carro topo de gama. Trocava facilmente tudo isso por 5 minutos com as pessoas que mais admiro.

Há 3 anos inscrevi-me na pós-graduação de Artes da Escrita e a primeira aula a que assisti foi a de Escrita de Comédia dada pelo RAP. Lembro-me perfeitamente do momento em que cheguei ao pé da sala e o vi. Assisti à aula encantada e no final, deixei sair todos os meus colegas e fui pedir-lhe uma fotografia e dizer-lhe que era fã dele. Durante mais ou menos 3 meses tive o prazer de o ouvir todas as semanas. Quem conviveu comigo na altura sabe que aquelas foram as melhores quintas-feiras da minha vida. Durante esses meses trabalhei como nunca num texto que tinha de lhe entregar no final do semestre. Claro que, de cada vez que me lembro desse mesmo texto, me pergunto como é que tive coragem de lho enviar.

Ontem, 3 anos depois, lá estava eu na fila da frente com um livro dele que me foi dado à entrada (e que, surpresa, eu já tinha). O espectáculo mantém-se fiel ao nome: "Uma conversa sobre assuntos" (para quem quiser saber mais pode ler esta reportagem do Observador). O público fazia perguntas (umas melhores que as outras) e ele respondia. Levantei várias vezes o braço para fazer uma pergunta até ele dizer que só havia tempo para mais uma. Voltei a levantar o braço mas nada. Não é que tivesse alguma coisa de especial para lhe perguntar mas queria fazer parte daquilo. É engraço que durante toda a minha vida académica nunca participei nas aulas de livre e espontânea vontade a não ser nas dele.

A rapariga a quem entregaram o microfone perguntou ao RAP qual a melhor Mixórdia que ele tinha escrito. Ele virou-se para mim (provavelmente porque tinha visto que eu estava chateada por não ter tido a sorte de lhe perguntar nada) e pediu-me que fosse ao palco ler uma Mixórdia com ele. 

Eu, que não sou grande fã de palcos nem tão pouco gosto de ser o centro das atenções, meti a minha melhor cara de "tu não estás a tremer por todos os lados", subi ao palco, agarrei no microfone e ele perguntou-me se já nos conhecíamos. Reforcei a cara de "tu não estás a tremer por todos os lados" e disse-lhe que sim, que fui aluna dele. Lemos a Mixórdia e eu regressei ao meu lugar. Tenho noção que ele disse mais umas coisas mas não me recordo exactamente quais foram. Quando saiu do palco despediu-se de todos e eu  tive direito a um aceno especial. Como sou atrasada mental limitei-me a sussurrar um obrigado. Agora que estou a pensar nisto apercebo-me que o vocabulário português não é assim tão vasto na medida em que não existe palavra alguma suficientemente forte que eu pudesse usar naquele momento. Tinha uma lágrima no canto do olho mas controlei-me porque tenho uma reputação de pessoa insensível a manter. O RAP disse, no final daquele jogo que fez pelo Benfica, que "a partir de agora a minha vida é sempre a descer, vou estar a engonhar, a passar tempo até morrer" e, neste momento, não há nada que descreva melhor a minha vida.

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